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Blog literário criado em 29/08/2008, na cidade de Blumenau-SC.


15 de out. de 2008

Saboreando crônicas


O que pode se esconder por trás de um título como este: Saboreando crônicas (Luiz Eduardo Caminha; Nova Letra;110 páginas), de autoria do meu amigo Caminha? Uma deliciosa leitura, é claro! Pois é esta a proposta do Caminha e é bem isto que ele consegue. Com o perdão do trocadilho, mas saboreando crônicas é daquelas deliciosas leitura que a gente devora cada página. Não como um glutão que come por impulso, mas como um gourmet que tem prazer em saborear cada uma das suas crônicas como se fossem iguarias que compõem um simples, mas bem elaborado prato.

Caminha é uma daquelas pessoas iluminadas, um autentico multitarefa. Médico, dos mais capacitados, escritor primoroso que trilha – ou caminha – as veredas da poesia e da crônica com a mesma fluência e dedicação com que pesquisava o interior de seus pacientes.

O Caminha teve a felicidade de nascer em Florianópolis e conviver com o pessoal que estava no centro dos acontecimentos quando a Ilha da Magia ainda era paradisíaca e não tinha adotados os ares de uma falsa metrópole cosmopolita. Transferir esta atmosfera bucólica para a literatura através da construção de inúmeras crônicas entremeadas com receitas da culinária açoriana praticada na ilha é a receita de sucesso trilhada pelo Caminha.

Saboreando Crônicas é uma sucessão de narrativas, muitas delas hilárias, perfeitamente harmonizadas com saborosas receitas gastronômicas fazendo com que o leitor se sinta como é um belo banquete. É uma oportunidade para aqueles que, como eu, foram criados naquela Florianópolis, e também, para aqueles que só conheceram Floripa, saberem como a Capital sempre foi maravilhosa e por isso tanto e a tantos encantou.

Mas o livro não é só isso, é um desafio! As receitas gastronômicas lá estão, então que o leitor se lance aos prazeres da boa mesa, testando cada uma delas. Não basta apenas fazer a leitura, temos que viver o livro! Que tal preparar um berbigão ensopado com pirão de “nailho” e espaguete ou arroz, harmonizado com a interessante crônica Máquina de descarcar Berbigão?

Paulo Roberto Bornhofen
Escritor e Poeta

Uma viagem só de chegada


Tive a grata satisfação de ser presenteado por Marcelo Steil com um exemplar desta magnífica obra, de sua autoria e que foi acertadamente batizada de “Uma viagem só de chegada” (Marcelo Steil; Edifurb/Ed. da UFSC; 149 páginas). Você pode estar se perguntando sobre o que faz alguém ter a ousadia de classificar uma obra como sendo magnífica? É um belo questionamento que tratarei de responder ao longo do texto.

Marcelo Steil fez seu mestrado em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina e da sua dissertação extraiu o material que usou para dar forma e vida ao livro, publicado em 2002. “Uma viagem só de chegada” não é um livro de turismo, muito menos um romance de aventuras. É na verdade um drama, que para se apresentar, faz uso da poesia em língua alemã produzida pelos colonizadores no Brasil, em uma apropriação muito feliz. Para poder compor seu drama Marcelo fez um profundo trabalho de pesquisa que ao ser transportado para o livro perdeu todo aquele peso e enquadramento científico tornando-se uma leitura prazerosa.

Entre aqueles que tentam definir poesia muitos falam que poesia é sentimento, é alma, é paixão. E foi isto que Marcelo garimpou entre os poetas alemães que para cá vieram. Sim, vieram! Mas, de onde saíram, por que saíram e como saíram? Perguntas, cujas respostas estão escondidas, disfarçadas no meio das letras. Respostas que para serem encontradas precisaram da habilidade de um grande garimpeiro, de paixões e emoções.

Poemas como “Velha e nova Pátria”, de Victor Shcleiff; “Teuto-brasileiro”, de Georg Knoll; “Minha casa paterna”, de Rudolf Damm; e, “Língua Materna”, de Maria Kahle, são algumas das obras que passam por um processo de dissecação literária nas mãos de Marcelo. Um processo que se vale da análise das estruturas do poema e da linguagem poética para alcançar a alma do poeta.

Marcelo se enfurnou nas poesias e conseguiu extrair uma realidade dura e até triste que os poetas alemães se esmeraram para tentar ocultar. É isto que torna o trabalho de Marcelo magnífico. Ele conseguiu romper as barreiras da sisudez germânica e penetrar nos mistérios de sua alma, buscando lá no fundo as respostas que tanto trabalho foi despendido para encobri-las. A resposta está em uma pátria deixada para trás e na busca em se construir a mesma pátria em um novo lugar. Uma pátria que precisou ser abandonada por que era fonte de sofrimento e dor, vindo daí a razão de não se partir, mas apenas se chegar. Sem dúvida algo terrível de ser admitido pelo bravo e orgulhoso povo alemão. Diferente de outros movimentos migratórios europeus que buscavam a expansão de impérios, o germânico (mas não só ele) foi uma questão de sobrevivência.

Isto fizeram aqueles migrantes, nossos antepassados, uma grande viagem, que por meio da obra de Marcelo ficamos sabendo o porquê ser ela só de chegada. A partida e o que motivou a partida ficaram rigorosamente deixados nas terras da mãe Alemanha.
Será que o objetivo de construir a mesma pátria, mas sem a dor e o sofrimento, em outras terras foi alcançado? Não era uma simples questão de apenas transferir uma parte da Alemanha para o Brasil, era uma questão de reafirmar a germanidade no paraíso. Dizem que sim, que o que os alemães construíram no Brasil não se encontra mais na Alemanha e muito menos em qualquer outro lugar do Brasil. Mas isto é outra história, que ainda está em construção e um dia vai ser contada.


Paulo Roberto Bornhofen
Escritor e Poeta