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Blog literário criado em 29/08/2008, na cidade de Blumenau-SC.


5 de set. de 2008

O Celular

A vida moderna nos proporciona uma gama muito grande de comodidades, disto ninguém dúvida. Alias, esta afirmação tem sido feita tantas vezes e por tantos, que não é mais novidade nenhuma. Mas, existe um algo a mais nestas novidades, que é um mundo paralelo que orbita ao seu redor. Um fato interessante aconteceu dia destes no aeroporto internacional de Porto Alegre, quando eu e um grupo de amigos aguardávamos o nosso vôo para Buenos Aires. Sentados na praça de alimentação, tomando o chopp nosso de cada dia, nos chamou a atenção uma jovem ao celular. Não exatamente o fato de ela estar falando ao celular, tampouco sua beleza, pois a mesma era desprovida destes predicados, o que nos chamou a atenção era como ela falava ao celular, e como falava.
Destoante de todos os infelizes que se vêem obrigados a fazer sua refeição em uma praça de alimentação de aeroporto, a nossa donzela falante permanecia em pé, tal qual o bom soldado que só se dirige ao seu general nessa posição, a mesma talvez tentasse mostrar um respeito descabido ao minúsculo aparelho. Não apenas de pé, mas durante todos os mais de 40 minutos que durou a conversa, a nossa donzela tagarelante se movimentava constantemente interagindo com os objetos do ambiente. Não escapou nem uma coitada palmeira, que solitariamente tentava dar vida àquele ambiente de granito e aço. Pela vontade com que suas folhas eram fustigadas, conclui que se trata de exemplar natural de nossa agonizante floresta tropical, até porque ninguém perde seu tempo fustigando um pedaço de plástico, mesmo que este esteja fantasiado de palmeira. Durante 40 minutos nossa personagem central fez a alegria da operadora de telefonia móvel e foi o deleite de nossa fértil imaginação.
A questão central, de nossa conversa, girou em torno do seguinte ponto, o que leva alguém a doar 40 minutos de sua efêmera existência para uma conversa ao celular. A partir desta curiosidade, quase mórbida, e sob os primeiros efeitos do feitiço de Baco, deixamos nossa imaginação fluir, despudoradamente alçar vôos. Vôos altos e longínquos e ao mesmo tempo profundos e cruéis. Eu e meus colegas, melhor seria chamá-los de comparsas, não poupamos a pobre donzela de pulmões de aço. Fomos terríveis ao usá-la para saciar nossa mordaz imaginação. A pobre nem imagina que foi personagem central do enredo de inúmeras aventuras.
Deixando nossa imaginação fluir livremente nossa vítima mor foi personagem central de aventuras, dramas existências, terrorismo internacional, espionagem, amor, traição, sexo, muito sexo e tantas outras aventuras e desventuras. Passava de heroína a mais terrível vilã, de idolatrada esposa a mais despudorada messalina, em frações de segundo. Felizmente para ela, não era possível sentir em suas costas as lancinantes chicotadas de nossa ferina língua. Mas, como tudo que é bom sempre acaba, com um simples toque a conversa chegou a seu final, nossa heroína/vilã sentou-se e perdemos o interesse por ela, que agora voltava à condição de simples mortal, e para nós ficou o mais terrível de tudo, a danada nem se deu conta de nossa presença, quanta decepção!

Paulo Roberto Bornhofen
Escritor e Poeta
Esta crônica foi premiada no 1º Concurso Talentos

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