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Blog literário criado em 29/08/2008, na cidade de Blumenau-SC.


6 de set. de 2008

Era uma vez...

Era uma vez, nos primórdios da humanidade, quando o ser humano, ou simplesmente bicho homem para os mais íntimos, começou a se desenvolver em comunidades.
Naquele tempo, hordas de arruaceiros e desordeiros se organizaram e espalhavam o terror por todos os cantos da terra, eram os homens maus. Para se defenderem, os homens bons, também se organizaram. Mas, os chamados homens bons, se organizaram em dois tipos de comunidades: a comunidade dos que mandavam, e a comunidade dos que eram mandados. Os que mandavam ofereceram proteção aos que eram mandados, mas em troca cobraram-lhes uma contrapartida financeira. Os que eram mandados, como sempre faziam, aceitaram. Não só aceitaram pagar pela segurança como ofereceram seus filhos para comporem um sub grupo que seria encarregado da tal segurança. Estes encarregados da segurança não chegaram o formar um novo grupo, ficaram vagando no limbo entre um e outro, por isso foram tratados de sub grupo, tanto pelo grupo dos que mandavam, como pelo grupo dos que eram mandados, e sendo assim passaram a não se identificar com nenhum deles. Quando iam prestar segurança ao grupo dos mandados, não se identificavam com estes, pois estavam cumprindo ordens do grupo dos que mandavam. Quando estavam com o grupo dos que mandavam não eram identificados por aqueles, pois não mandavam, apenas executam o que lhes era mandado. Este sub grupo ficou conhecido como aqueles do limbo. E, assim foi evoluindo a humanidade.
Com o passar dos tempos, o grupo dos que mandavam passou a usar o sub grupo do limbo para sua própria segurança e abandonaram o grupo dos que eram mandados a sua própria sorte. Vendo isso, o grupo dos homens maus se aproveitou e tomou o grupo dos que eram mandados. O grupo dos homens maus gostou tanto da nova situação, da nova ordem, que viu que poderia substituir o grupo dos que mandavam e se tornar um novo grupo, o grupo dos homens maus que mandavam. Mas para angariar o apoio do grupo dos que eram mandados, resolveram que eles, os homens maus que mandavam, iriam dar proteção ao grupo dos homens que eram mandados. Como o grupo dos que eram mandados já estavam acostumados a serem mandados e tinham sido abandonados pelo grupo dos homens que mandavam, aceitaram, mesmo sem saber contra quem era essa proteção. Mas, fazer o que, se eles sempre foram mandados.
Não se dando por satisfeito, o grupo dos que mandavam, para mostrar que continuavam mandando, vez por outra, mandavam que o sub grupo do limbo fizesse incursões contra os homens maus que agora mandavam. Mas como os homens maus que agora mandavam estavam misturados com os homens que eram mandados, era comum o sub grupo do limbo atingir os homens que eram mandados, e estes passaram a se revoltar contra o grupo dos que mandavam e seu sub grupo do limbo.
O grupo dos homens maus que agora mandavam entendeu que como o sub grupo do limbo era usado sem respeito pelo grupo dos que mandavam, poderiam, através de uma compensação financeira, angariar homens do sub grupo do limbo para seu lado. E assim, o grupo dos que eram mandados se viu diante de uma situação difícil. Todos mandavam neles e todos cobravam deles e o sub grupo do limbo não mais lhes dava proteção.
Vendo a aflição dos integrantes do grupo dos que eram mandados, alguns do sub grupo limbo resolveram agir por conta própria, e ganhar “um” por fora. Formaram um outro tipo de organização que ficou conhecida por todos como aqueles que fazem o que não fazem os que deveriam fazer e ofereceram segurança ao grupo dos que eram mandados, contra o grupo dos homens maus que agora mandavam. Na esperança de terem sua tranqüilidade de volta, aceitaram. Assim o grupo dos que eram mandados agora pagava ao grupo dos que mandavam, ao grupo dos homens maus que agora mandavam e àqueles que fazem o que não fazem os que deveriam fazer. Pagavam cada vez e tinham cada vez menos.
Para não perder o poder, o grupo dos que mandavam, e que eram homens bons, mandaram outra organização para defender os que eram mandados. Essa organização era especial, tinha mais equipamentos, mais armamentos e eram treinados para defender a todos contra agressões do que se chamou de agressões externas, e ficaram conhecidos como aqueles que fazem tudo e podem tudo.
Quando soube disso, o grupo dos que eram mandados ficou muito contente, pois agora iria ter a sua tranqüilidade, aquela que fazia tanto tempo que havia perdido, pois é, ela seria trazida de volta. Pelo serviço dos que eram conhecidos como aqueles que fazem tudo e podem tudo, o grupo dos que eram mandados não precisaria pagar mais nada, era tudo tão maravilhoso. Finalmente eles poderiam dizer que todos seriam felizes para sempre.
Mas, não foi bem assim. Num determinado dia, um grupo dos que eram conhecidos como aqueles que fazem tudo e podem tudo, vendo que não podia nada e não fazia nada, pegou alguns integrantes do grupo dos que eram mandados e entregou para o grupo dos homens maus que agora mandavam. Já que eles eram homens maus, mesmo agora mandando, eles mataram estes integrantes do grupo dos que eram mandados e jogaram seus corpos no lixo, como a dizer que lá era o lugar daqueles que faziam parte do grupo dos que eram mandados.
Assim se instalou uma crise geral. Para resolvê-la, o grupo dos que mandavam, já que mandavam, mandou o chefe maior daqueles que ficaram conhecidos como aqueles que fazem tudo e podem tudo, mas que agora sabiam que não podiam nada e não faziam nada para conversar com o grupo dos que eram mandados. Assim se fez, mas não sem antes encherem o lugar em que habitava o grupo dos que eram mandados, de integrantes daqueles que ficaram conhecidos como aqueles que fazem tudo e podem tudo, mas que agora sabiam que não podiam nada e não faziam nada, de seus equipamentos e seus armamentos. Fizeram isso, não para proteger o grupo dos que eram mandados, mas para proteger o chefe daqueles que ficaram conhecidos como aqueles que fazem tudo e podem tudo, mas que agora sabiam que não podiam nada e não faziam nada. Ele iria dar uma resposta ao grupo dos que eram mandados. Quando lá chegou, o chefe foi indagado por uma daquelas que era integrante do grupo dos que eram mandados, sobre a morte de um de seus integrantes, seu ente querido. O chefe daqueles que ficaram conhecidos como aqueles que fazem tudo e podem tudo, mas que agora sabiam que não podiam nada e não faziam nada, disse: morte! Pois é, morreram, mas eu estou aqui, e vim aqui para isso: para pedir desculpas!
A narrativa acima faz parte de um grupo de pergaminhos deixado por uma civilização extinta. O lugar e as condições em que os pergaminhos foram encontrados são mantidos em segredo, bem como o seu conteúdo. Comentários dão conta de que nos pergaminhos está escrito de que forma essa civilização foi extinta, por isso tanto segredo. Nem mesmo a narrativa acima deveria ter sido publicada, mas um amigo do primo do cunhado do irmão do tio de uma pessoa que é muito ligado ao colega do namorado de um amigo meu, conseguiu uma cópia e me mandou. Havia ainda uma informação sobre o local onde tudo isso ocorreu. Estava escrito que era um lugar lindo, com uma maravilhosa baía e alguns morros esplendorosos, e que para saudar os visitantes o grupo dos que mandavam fez construir uma estátua que de braços abertos dava boas vindas aos visitantes. Falam ainda que existem esforços no sentido de identificar essa civilização perdida, sua época e o local em que viveram. Outros dizem que tudo não passa de lenda, fruto da imaginação de alguém. Quem sabe? Só o futuro dirá!

Paulo Roberto Bornhofen
Escritor e poeta

A primeira vez

Temos um fascínio pela primeira vez. Em tudo a primeira vez é marcante. Dizem os românticos, que é pela entrega. Já os mais realistas, afirmam que é por que é ruim mesmo. Na primeira vez falta tudo, falta experiência (por isso é a primeira), falta compreensão e falta muita coisa. Por outro lado, sobra tudo, sobra nervosismo, sobre medo, receios e sobre muita coisa. Quem consegue esquecer da primeira vez que andou de montanha russa? Da primeira pescaria? Do primeiro dia de aula?
Para alguns sua primeira vez vem cedo, outros tem que esperar. Essa espera pode estar relacionada com o amadurecimento que é necessário e para muitos pode demorar mais que o normal. Outros vão postergando sua primeira vez por puro medo, por vergonha. E quanto mais o tempo passa, pior fica. O medo do fracasso vai tomando conta. O desespero de expor sua falta de jeito, de não saber como lidar com os detalhes, que já não são tão detalhes assim, pois podem representar a diferença entre o sucesso e o fracasso. Ter de se expor assim em sua intimidade para alguém é algo assustador, e quanto mais o tempo passa mais vai potencializando as angustias e como que entrando em um circulo vicioso, vai afastando do grande momento.
Mas se não acontecer, não é a primeira vez, por isso todos passamos por ela. É como um rito de passagem, a vida se divide entre o antes e o depois da primeira vez. Os iniciados formam um grupo invejado.
Foi em meio a todas essas interrogações que de repente me vi no limiar de minha primeira vez. Foi dificílimo e só me rendi após vários apelos de uma colega de mestrado. Várias vezes ela me disse: vai experimenta! Você vai gostar! É bom! Expande nossas fronteiras! Permite-nos interagir melhor com os amigos! E eu pensava comigo, isso é fácil pra ela, que já está acostumada e é bem mais jovem que eu. Mas e eu? Já passei dos 40, será que ainda existe esperança para mim?
Após muito refletir, tomei a decisão, eu faria! Mas, me impus uma condição, tinha que ser com ela, com a minha amiga do mestrado e teria de pega-la de surpresa, para não dar chances de um arrependimento, por parte dela é lógico. Não, não, não, não poderia ser com qualquer um, melhor com qualquer uma. Já que era para ser minha iniciação, teria de ser com alguém com experiência e acima de tudo, uma pessoa em quem eu confiava.
Preparei-me. Cumpri todo um ritual de preliminares, mas mesmo assim foi tumultuado. Não por culpa dela, nem minha, mas toda hora tinham outras pessoas que atrapalhavam e a gente não conseguia entrar em sintonia. Era um tal de espera ai, já volto, pronto, podemos recomeçar, espera ai (de novo), agora vai (pela vigésima vez), onde foi mesmo que paramos? Pra mim, foi um pouco ríspido, com todas essas interrupções. Como me atrapalharam, cheguei em certos momentos a achar que estava acima das minhas capacidades e que deveria desistir de tudo, me recolher a minha insignificância, desistir. O pior era ter que recomeçar tudo novamente, não dava para simplesmente seguir de onde paramos, pelo menos para mim, tinha que voltar um pouco e recomeçar. Confesso que foi estafante, em certos momentos beirava o desespero. Foram interrupções de mais de 10 minutos, e eu ali, parado, só podendo me contentar em meramente ser um espectador, nada de interação, ficava literalmente na mão.
Mas valeu a pena, como ela foi maravilhosa, como me conduziu com paciência (nos momentos certos), com maestria desvendava cada segredo, pelo menos para mim era segredo. Ensinava-me e demonstrava cada movimento. Revelou grande fluência, típica daqueles que tem muita experiência. De minha parte, ficava extasiado com cada nova descoberta, e quando eu pensei que havia acabado ele placidamente me provocou – fica melhor quando chamarmos mais amigos, em grupo também é bom, pode ser até melhor, dependo do grupo. Para mim aquilo soou como um desafio. Eu mal havia sido iniciado e já estava pronto para novas emoções. Então ta certo, a próxima vez vai ser em grupo.
Pois é, foi assim aos 42 anos de idade que tive minha primeira experiência, fui apresentado aos prazeres e desafios do MSN, o famoso programa de conversa on line. Como é bom esse tal de MSN. Viva o MSN!

Paulo Roberto Bornhofen
Escritor e Poeta

A Távola Redonda

Meus amigos e eu gostamos de encerrar nossa reuniões semanais em torno de uma mesa de bar. Nem tanto pelos acepipes que procuramos devorar vorazmente, mas sim pelo momento de relaxamento e descontração que nos proporciona. Dia destes em razão de termos prolongado a reunião, chegamos em nosso refugio e deparamos com o mesmo com suas portas cerradas. Decepção total nos rostos de todos nós. Por alguma razão, que a razão desconhece, havia sido quebrada nossa rotina. Mas não nos damos por vencidos. Não seria a má vontade de um dono de estabelecimento gastronômico, agora elevado a condição de simples dono de boteco - percebam a velocidade com que mudam nossos conceitos com relação às pessoas quando somos contrariados - que nos levaria para a lona.
Rapidamente em nosso grupo surgiram vozes de protesto, se formando uma linda cena, com alguns respeitáveis senhores parados em frente a um boteco, fechado, erguendo seus punhos ao ar em um honrado brado de protesto. Mais rápido ainda surgiu uma solução para o impasse, vamos para outro lugar. Sem o menor pudor e cheios de razão, nos propomos a buscar refugio em outro lugar que nos recebesse. Nos comportamos como aquela “pura donzela”, que quando pronta a se entregar de corpo e alma ao seu amante, encontra este indisposto ou por qualquer razão indisponível, e para honrar sua libido sai à procura do primeiro que lhe satisfaça e a este se entrega deliciosamente, sem o menor remorso. Saímos em carreata percorrendo as vazias ruas da cidade procurando por uma ínfima luz que denunciasse a disponibilidade daquele que seria nosso novo refugio.
Enquanto nos deslocávamos fiquei observando aquela fila de carros, cada qual ocupado por uma única e revoltada alma, mas que agia como se fosso é só organismo vivo. Parava, andava, mudava de direção em uma linda harmonia. Devido ao adiantado da hora éramos praticamente os únicos a ocupar as ruas naquele momento, de modo que nada nos importunou em nossa verdadeira caçada. Alguém que pudesse ver a harmonia daqueles cavaleiros errantes certamente ficaria surpreso, até mesmo assustado com tal espetáculo. Para nossa satisfação encontramos aquilo que procurávamos, não um simples boteco, mais um lindo e maravilhoso estabelecimento gastronômico, onde pudemos não só saciar nossa fome e dividir nossas alegrias, mas acima de tudo executar nossa vingança.
Ainda não sei se a nossa alegria se deu em razão da qualidade do ambiente e do tamanho da fome, que eu pude constatar mais uma vez que progride geometricamente, ou pela oportunidade ímpar, que com toda a certeza nunca mais iria se repetir de vingarmos nossa honra. Aumentando a nossa alegria nos deparamos com uma enorme mesa redonda, local propício para o deleite (fique a vontade para usar sua imaginação). Já perceberam que em um restaurante as mesas no formato redondo são as que recebem os clientes mais felizes, é só aferir o nível de ruídos que vem destas mesas.
Após cada qual tomar o seu lugar e de sermos servidos da mais deliciosa das cervejas, enquanto os pedidos ainda eram preparados, já nos sentíamos donos daquele local, como se o mesmo estivesse sido construído para nos atender e que aquela mesa havia se preservada até a nossa chegada, não sendo usada anteriormente por nenhum atrevido ser. Diante de tal constatação não nos restava nada mais a fazer se não proporcionar os mais demorados prazeres para a nossa companheira, a mesa, que entre um brinde e outro foi batizada de A TÁVOLA REDONDA, que tal qual a lenda, após ferozes batalhas recebia o Rei Artur e seus valorosos cavaleiros, talvez não tanto cavalheiros, mas tudo bem. Nos prolongamos tanto em nossa árdua tarefa de proporcionar tanto prazer a nossa Távola que o tempo passou e não nos demos conta, mais isto também não importava mais, o que mais importava era o raro momento.
Finda a nossa aventura épica fomos cada qual para sua casa, felizes, saciados, satisfeitos e acima de tudo com aquele sentimento heróico de dever cumprido. Porém, foi só chegar em casa para a fantasia se desfazer e a realidade mostrar suas terríveis garras, a verdadeira batalha épica se apresentou. A mais terrível de todas as batalhas já travada por este simples mortal, que espero que o imortal Rei Artur e seus cavaleiros não tenham tido que travar, qual seja, a de explicar para a esposa a razão do atrevimento de chegar tão tarde em casa. Não pelo fato de a amada esposa ser cruel, mas simplesmente em razão da desculpa ser ridícula.
Após esta derrota descomunal, que mais tarde fiquei sabendo, também, foi sofrida pelos demais cavaleiros da nossa távola redonda, não nos restou outra saída se não a de semanalmente nos socorrermos da mesma mesa, no mesmo bar, nomeá-la novamente de Távola Redonda, nos revestirmos das honrarias de Cavaleiros, porém, com o cuidado de nomearmos um Cavaleiro de Senhor do Tempo, o homem que cuida do relógio e nos salva de termos que enfrentar novamente batalhas domésticas. Pois, já ensinava aquele grande general, as batalhas que não podem ser vencidas tem obrigatoriamente que ser evitadas.

Paulo Roberto Bornhofen
Escritor e Poeta