Páginas

Blog literário criado em 29/08/2008, na cidade de Blumenau-SC.


3 de set. de 2008

Folia de Reis

A Folia de Reis é uma tradição de origem portuguesa que, lamentavelmente, vem se perdendo com o tempo e quase não é mais praticada. Mesmo nas comunidades descendentes dos colonizadores da terra de Camões, os mais jovens já não a conhecem. Mas, acontece que em alguns redutos ela resiste bravamente. Resiste graças à insistência de alguns audazes que teimam em manter viva esta bela tradição. De forma bem simplista, podemos descrever a Folia de Reis como sendo a representação da peregrinação feita por Gaspar, Baltazar e Belchior, os Reis Magos, há mais de dois mil anos em busca daquele que ficou popularmente conhecido como o Menino Jesus. Por esta razão, acontece no período de Natal.

A última vez que eu havia presenciado uma apresentação desta manifestação folclórica, já não lembrava mais. Forçando a memória, me vinham pequenos fragmentos como que em um “flash back” mal feito. Até que, para nossa surpresa, fomos acordados, em certa madrugada, após a terceira badalada do cuco, por uma cantoria. Começou meio que ao longe, mas na verdade era bem perto, apenas Morfeu, um tanto quanto zangado, se recusa a ir embora. Como vingança, provocava uma leve confusão. Fiquei quieto, iria resistir, pois a companhia de Morfeu me era agradável. Passados alguns instantes, ouvi uma voz que brandia “acorda, acorda”!

Pulamos da cama como em perfeita coreografia. O que fazer? O que fazer? O que fazer? Lavar o rosto foi a primeira coisa que me veio, e assim fiz. Ainda estava meio perdido, mas corri para a porta e ao abri-la, fiquei maravilhado. Melhor dizendo, fiquei bestificado. Em frente ao portão um grupo de músicos, bem uniformizado e muito bem treinado, entoava cânticos e ao redor deles um outro grupo, que eram os amigos e os amigos dos amigos. Continuava perdido, não sabia o que fazer. Voltei para dentro e fui me vestir, tirar aquele pijama, já que o mesmo não era condizente com a grandeza do momento.

Abri o portão e eles muito cerimoniosamente foram entrando. Primeiro no jardim e, após, em casa. E a cantoria continuava. Ainda sem saber o que fazer, fui para fora, deixando a casa para eles. Não foi uma situação premeditada de desrespeito, mas sim uma reação natural de quem de repente percebeu não estar à altura de tamanha cortesia. Não sei por que, mas continuava perdido.

Talvez vendo meu estado, ou pela experiência, meu amigo, o César, foi me orientando sobre como proceder. Improvisamos uma recepção, que por mais que nos esforçássemos, nunca seria um banquete à altura daquela corte real. Era o que conseguíamos fazer, diante da completa ausência de raciocínio. Mas meu amigo, o César, estava preparado. Em seu carro havia cerveja gelada e algumas centenas de salgadinhos para suprir aos desavisados; isto sim era realeza.

Feita uma pausa na cantoria, passamos a conversar com os integrantes daquele grupo folclórico e pudemos notar que eram pessoas alegres, descontraídas, assumidamente felizes, e que se esforçavam ao máximo, não apenas para manter viva a tradição, mas para amenizar ao máximo o trauma inicial que de certa forma causa em algumas pessoas, os desavisados. Trauma que se transforma em felicidade, não por imposição de decreto real, mas pela magia do momento que se revelou maravilhoso.

Quando o grupo partiu, não sem antes entoar uma cantoria de despedida, conjugada com um discreto, mas certeiro pedido de ajuda para que a tradição possa ser mantida, fiquei por alguns instantes me revirando na cama, procurando onde Morfeu tinha ido se esconder e me veio uma certeza. A certeza de que quem ao menos uma vez na vida for visitado pela corte dos três Reis Magos, pode dizer que tem amigos. No nosso caso, a corte de Baltazar, Belchior e Gaspar era capitaneada pelo não menos nobre César, não o imperador, mas o amigo. Ave César! Habemus César, habemus Amigos.

Paulo Roberto Bornhofen
Escritor e Poeta

O massacre

Já ouvi algumas vezes que a produção literária é cheia de surpresas, algumas boas, outras nem tanto, chegando até mesmo a serem dolorosas, ou doloridas. Recentemente me atrevi a transitar pelo mundo das crônicas. Algo sem pretensão, apenas para o deleite pessoal e alegria dos amigos, que tem me agraciado com inúmeros elogios. Na verdade não sei bem se estes elogios são pela qualidade do que é produzido, ou se é apenas um ato bondoso, afinal amigos são amigos. Acontece que acabei por me empolgar e, confesso que até me surpreendi com a quantidade de minha tão iniciante produção.

Minha inspiração somente me permite trilhar as veredas da crônica, mas mesmo assim procuro diversificar, com algumas tratando de assuntos mais sérios e outros indo para o lado mais cômico, deixando transparecer um pouco daquilo que eu chamaria de “o meu lado gaiato”. Talvez algum psicólogo se atreva a dizer que deixo transparecer minhas diferentes personalidades, mas não é nada disso. Trata-se apenas das diferentes faces da mesma pessoa. Toda esta introdução foi para esclarecer, e não justificar, que às vezes quando escrevemos podemos ser mau interpretados.

Como pretenso cronista tenho procurado me esmerar em retratar situações do cotidiano em que tomei parte, seja direta ou indiretamente, mas é a realidade retratada sob o meu ponto de vista, quer seja ele bonito ou não. Esta má interpretação dos fatos produzidos pelos autores acompanha a história da humanidade. Muitas são as histórias de intelectuais que foram perseguidos e tiveram sua obra censurada. A idade média ficou conhecida como a idade das trevas. No Brasil, mais recentemente tivemos da ditadura militar que perseguiu a muitos intelectuais. Não tenho a pretensão de me comparar a eles, apenas registro que agora, posso de forma mais clara, tentar entender o que eles passaram.

Já tive o amargo sabor de que com uma simples crônica desprovida de qualquer sentimento maléfico, despertar a ira de minha amada companheira. Lamentavelmente deixei-me entorpecer pelo doce prazer da criação literária e avancei alguns sinais. Em uma inocente crônica chamada “As meninas de saia curta”, cai em uma armadilha. Exercitando meus princípios de ser fiel ao máximo a minha criação, como tenho sido de uma fidelidade total a minha amada, derrapei e segui um viés literário que, confesso, avançou um pouco pelas fileiras de uma leve canalhice. Ao absorver toda energia gerada pela onda de reprovação que provoquei nela, lancinante dor percorreu o meu ser como a querer castrar minha tão iniciante carreira de pretenso cronista, tal foi à fúria do massacre a que fui submetido.

Procurei refugio entre os amigos, mas não fui feliz. Os homens se deleitaram com a leitura, mas suas enciumadas esposas não permitiram que os mesmos comigo fossem solidários. Não conseguia aceitar a idéia de ter causado tão terrível desconforto em quem tanto amo, e que só fez encher de alegria esta tão miserável vida. Para piorar, não foi um ato selvagem que cometi, mas apenas um atrevimento literário. Fiquei horas vagando entre a dor de ter maltratado minha amada, e a frustração de me sentir intelectualmente castrado. Estaria minha insignificante e debutante carreira fadada ao extermínio prematuro? Talvez sim, tamanha era a minha sensação de impotência diante de dantesco quadro. Terrivelmente amargurado e solitário, vagueei procurando a melhor forma de me redimir, se isto for possível.

No desespero vislumbrei a solução. Continuar a ser eu mesmo. Sim, eu mesmo, um eu com diversas faces, mas apenas um coração, um sentimento, um amor, mas com duas paixões. Uma paixão, se revelou tardia, pós quarenta anos, é a dedicação e a tentativa de ser reconhecido como cronista. A outra, me acompanha em uma longa e feliz vivência, que é algo em que já sou a muito reconhecido, que é o amor fiel e incondicional a minha amada. Agora, reconheço que fui infeliz quando me dediquei mais à paixão (literária) e não ao amor, mas tenho certeza de que foi apenas um deslize digno de um principiante, apenas isto.

Paulo Roberto Bornhofen
Escritor e Peota

Trilogia de uma noitada - Parte III - Um cantor amigo da família

Quem não está fazendo nada de errado não precisa se esconder, certo? Certíssimo! Com o desenvolvimento da tecnologia empregada à captação de imagens atingindo os níveis que estão, mesmo para aqueles que estão fazendo as coisas erradas fica mais difícil de esconder. Não é a toda que diariamente explodem escândalos os mais variados. Já não é exclusividade de agentes secretos, do tipo 007, o uso dessa parafernália.

Mas não é só a moderna e avança tecnologia que nos prega peças, o bom e sempre presente ser humano é que nos prega a maioria delas. Já escrevi algumas crônicas sobre vários episódios ocorridos quando sai com umas colegas do mestrado para um inocente chopinho – durante uma viagem de dez dias de minha esposa ao exterior - e recorro a esse momento para escrever mais uma. Acho que quando finalmente essa série de crônicas se esgotar, vou reunir todas, não em uma antologia, mas sim em uma enciclopédia. Uma enciclopédia destinada os maridos, a um tipo especial de marido, aquele marido incauto, com falta de prática em lidar com as situações que se apresentam quando a esposa se ausenta em viagem. Não que eu tenha feito algo de errado, ou que mereça reprovação. Muito pelo contrário, tudo o que fiz, faria sem problema algum mesmo se a minha esposa não estivesse fora do país por intermináveis dez dias. Mas acontece que durante a ausência dela as coisas tomam proporções diferentes, ou melhor, interessantes.

Um simples ato de ir a uma choperia e ficar sentado todo tempo tomando um saboroso chope com colegas de mestrado, algo inofensivo, diria até que trivial, banal, cria uma série tão grande de eventos que acaba desencadeando um infindável número de crônicas. Talvez não merecesse sequer uma linha, e assim seria se a esposa não estivesse ausento do país.

Então, chegamos à choperia e um cantor solitário se apresentava. Alias um bom cantor, com variado repertório, que lhe permitia incursões aos sucessos dos anos setenta, bem como aos atuais. Não prestei muita atenção à pessoa do cantor, apenas as suas qualidade líricas, até que em determinado momento ouvi o seu nome. De imediato um alerta soou, eu o conheço. Olhei bem para ele e a única opção que encontrei era a de que o nosso cantor fosse um conhecido da família da minha esposa. Comentei com minhas colegas - ele é da família - elas duvidaram e o riso foi geral. Chamei o garçom e solicitei algumas informações sobre o homem, ao que o garçom não soube responder e eu pedi que ele fosse se informar. De repente estava eu super interessado na figura, seria mesmo ele? Logo o garçom estava de volta com a resposta-confirmação, era mesmo o amigo da família. Devo dizer que por uns longos momentos fui uma infeliz e solitária vítima das gozações de minhas colegas. Fazer o que? Foi uma situação ao mesmo tempo estranha e engraçada, ainda bem que eu não estava fazendo nada de errado, nada mesmo de errado! Mas porque será que eu fico repetindo isso a toda hora? Não sei, mas que não estava, isso não estava!

Paulo Roberto Bornhofen
Escritor e Poeta

Trilogia de uma noitada - Parte II - A foto na internet

Minha mulher viajando e eu numa baita “depre”. Os dias eram intermináveis e andava meio sem vontade de fazer nada. Eis que me vem o convite de duas colegas pra um chopinho. Quem tem amigos, tem um tesouro, pensei eu. E lá fui contente e satisfeito para partilhar da agradável companhia delas enquanto saboreava um dos deliciosos chopes produzidos na nossa região.

Cheguei primeiro, meio deslocado, pois havia perdido a prática de sair sozinho. Não lembro de quando foi a última vez que vivenciei essa experiência. Instintivamente me instalei em um canto do balcão e fiquei aguardando. Após longos 15 minutos e elas chegaram o fomos para uma mesa. Durante esse tempo já havia derrubado duas tulipas de chope, acho que estava nervoso, não que achasse ou que realmente estivesse fazendo algo errado, mas era o inusitado da situação.

Sentamos e pedimos mais uma rodada de chope. Mais uma para mim, pois para elas era a primeira. Logo chegou mais uma pessoa, era alguém que não conhecia, era uma amiga delas e se incorporou ao grupo. Pedimos uma pizza e ficamos jogando muita conversa fora.

Era uma situação bem diferente, não que estivesse me sentindo mau com a situação, ao contrário estava me sentindo muito bem, muito a vontade, e talvez fosse isto que estava me incomodando. Não tinha a menor intenção de me esconder de quem quer que seja, ou de omitir esse fato para minha esposa quando ela retornasse de seus dez dias fora do país. Mas sempre fica aquele clima de “homem casado quando fica sozinho...” Aquelas histórias de quando no verão a mulher fica na praia e o marido aproveita e se aproveita da situação, fazendo tudo àquilo que não lhe era permitido. Não era o meu caso, até porque estávamos em um local que semanalmente freqüento com um grupo de amigos. Como a casa tem três ambientes, eu e meus colegas, de toda a semana, ficamos no térreo e apenas observamos “o povo” subindo para os outros ambientes nos demais andares.

Já estava mais calmo, havia diminuído a freqüência com que as tulipas de chope eram trocadas e me sentia mais ambientado, mais a vontade, afinal era um encontro normal de colegas do mestrado, não havia nada de anormal nisso. Conversa vai, conversa vem, alias muita conversa, e chega em nossa mesa um homem com uma máquina fotográfica digital e pergunta se pode tirar uma foto nossa. Explicou que era de um site de divulgação da vida noturna da região. A gargalhada foi geral e as três jogaram a responsabilidade para mim, a foto dependia da minha autorização. Era uma situação totalmente inusitada, mas mesmo assim, sem relutar, autorizei. Após nos posicionarmos, atendendo as orientações do fotografo, o clique foi feito e logo em seguido apresentado para nossa aprovação. Ficou uma bela foto com quatro alegres e felizes colegas. Questionei minhas companheiras de aventura fotográfica-digital sobre a razão de sermos escolhidos para tal. Elas me mandaram olhar para as demais mesas e só então me dei conta. As demais mesas ou estavam ocupadas por homens solitários, ou ainda por grupos de homens, e umas poucas por casais. A nossa era a única em que havia um único homem dividindo a mesa com três mulheres. Com toda a certeza chamávamos a atenção. Ali naquele momento assumo que experimentei um sentimento de alegria e de enorme satisfação. Morram de inveja seus incompetentes, mas tenham muito cuidado com a tecnologia, e isso serve não só para as modelos famosas flagradas com seus companheiros nas praias da Espanha.

Paulo Roberto Bornhofen
Escritor e Peota

Trilogia de uma noitada - Parte I - Molecada

Dias desses marquei com umas colegas do mestrado para um chope. Cheguei ao local combinado um pouco mais cedo e me instalei no balcão. Eu adoro os balcões, sempre que posso me acomodo em um deles, na verdade é o local que mais aprecio nesses ambientes.

O balcão é interessante não porque a gente fica com a cara enfiada pra dentro olhando um monte de garrafas arrumadas nos mais diversos tipos de prateleira, mas com o sempre presente fundo de espelho. Seria um desperdício dedicar tempo a isso. O balcão é bom porque a gente pode observar o ambiente, observar as pessoas. Verificar os casais, uns felizes trocando caricias, outros, ainda relutantes iniciando os primeiros contatos físicos, mergulhando nos intrigantes jogos da sedução. Tem aqueles que saem em duplas, amigos e amigas que estão à caça. Tem os solitários, aqueles seres que se sentam só e ficam em sua profunda melancolia se entregando a um copo ou a um cigarro, ou quando não a ambos. Como é triste, melancólico, até mesmo deprimente o comportamento desses solitários. Com o passar das horas o quadro vai se agravando com alguns solitarios perigosamente seguindo a trilha que os conduz rumo ao ridículo, com grandes chances de enveredarem ao vexame. O interessante é que esse é um comportamento tipicamente masculino. É o macho querendo chamar a atenção das fêmeas, assim como na natureza faz o pavão macho com seu esplendoroso rabo multicolor , e machos de muitas outras espécies. No bar o álcool se encarrega de emprestar o “rabo do pavão” para alguns.

Mas tem um grupo que também chama a atenção, e é grupo mesmo, são os homens de meia idade, e até um pouco mais da meia idade, que se reúnem em volta de uma mesa, para saborearem uma boa bebida e contarem vantagem uns aos outros. Quando possível ainda trocam olhares luxuriosos, libidinosos mesmo com alguma representante do sexo feminino, o que irá alimentar o seu ego por um bom tempo. Não apenas o ego será alimentado, mas é conversa garantida para os próximos encontros, para as próximas rodadas, mesmo que os olhares por parte das mulheres não tenham lá sido tão insidiosos assim. Por serem vários machos e cada um querendo chamar a atenção para si fica fácil entender que essas mesas geralmente são barulhentas. Imaginem só se fosse uma mesa de pavões macho, a loucura que seria com tantos rabos coloridos se agitando. E, havia uma mesa dessas lá na choperia e eu os observei um pouco. A conversa era bem interessante e não convém reproduzi-la aqui, mas para entenderem, basta saber que em determinado momento um dos integrantes perguntou se alguém tinha experimentado a costela de porco que certo fulano tinha preparado, ao que foi rapidamente corrigido por outro: “não é costela de porco, é costela de suíno, não se fala mais porco!”. Isso é que nível cultural pensei eu.

Logo em seguida se aproximou da mesa um grupo de jovens, daqueles recém saídos da adolescência e cumprimentaram o grupo. No meio dos cumprimentos, veio a sentença – Lugar da molecada é lá em cima – e apontaram para andar superior, onde funcionava outro espaço da casa. Até então não havia notado a movimentação do piso superior e para minha surpresa havia uma meninada, um povo jovem, com muitas belas meninas se divertindo. E eu ali, sentado em um balcão, cercado de tios. Que grande momento deprimente, esse. Ainda bem que logo fui salvo por minhas colegas que chegaram passaram a me fazer companhia.

Paulo Roberto Bornhofen
Escritor e Poeta