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Blog literário criado em 29/08/2008, na cidade de Blumenau-SC.


6 de set. de 2008

A Távola Redonda

Meus amigos e eu gostamos de encerrar nossa reuniões semanais em torno de uma mesa de bar. Nem tanto pelos acepipes que procuramos devorar vorazmente, mas sim pelo momento de relaxamento e descontração que nos proporciona. Dia destes em razão de termos prolongado a reunião, chegamos em nosso refugio e deparamos com o mesmo com suas portas cerradas. Decepção total nos rostos de todos nós. Por alguma razão, que a razão desconhece, havia sido quebrada nossa rotina. Mas não nos damos por vencidos. Não seria a má vontade de um dono de estabelecimento gastronômico, agora elevado a condição de simples dono de boteco - percebam a velocidade com que mudam nossos conceitos com relação às pessoas quando somos contrariados - que nos levaria para a lona.
Rapidamente em nosso grupo surgiram vozes de protesto, se formando uma linda cena, com alguns respeitáveis senhores parados em frente a um boteco, fechado, erguendo seus punhos ao ar em um honrado brado de protesto. Mais rápido ainda surgiu uma solução para o impasse, vamos para outro lugar. Sem o menor pudor e cheios de razão, nos propomos a buscar refugio em outro lugar que nos recebesse. Nos comportamos como aquela “pura donzela”, que quando pronta a se entregar de corpo e alma ao seu amante, encontra este indisposto ou por qualquer razão indisponível, e para honrar sua libido sai à procura do primeiro que lhe satisfaça e a este se entrega deliciosamente, sem o menor remorso. Saímos em carreata percorrendo as vazias ruas da cidade procurando por uma ínfima luz que denunciasse a disponibilidade daquele que seria nosso novo refugio.
Enquanto nos deslocávamos fiquei observando aquela fila de carros, cada qual ocupado por uma única e revoltada alma, mas que agia como se fosso é só organismo vivo. Parava, andava, mudava de direção em uma linda harmonia. Devido ao adiantado da hora éramos praticamente os únicos a ocupar as ruas naquele momento, de modo que nada nos importunou em nossa verdadeira caçada. Alguém que pudesse ver a harmonia daqueles cavaleiros errantes certamente ficaria surpreso, até mesmo assustado com tal espetáculo. Para nossa satisfação encontramos aquilo que procurávamos, não um simples boteco, mais um lindo e maravilhoso estabelecimento gastronômico, onde pudemos não só saciar nossa fome e dividir nossas alegrias, mas acima de tudo executar nossa vingança.
Ainda não sei se a nossa alegria se deu em razão da qualidade do ambiente e do tamanho da fome, que eu pude constatar mais uma vez que progride geometricamente, ou pela oportunidade ímpar, que com toda a certeza nunca mais iria se repetir de vingarmos nossa honra. Aumentando a nossa alegria nos deparamos com uma enorme mesa redonda, local propício para o deleite (fique a vontade para usar sua imaginação). Já perceberam que em um restaurante as mesas no formato redondo são as que recebem os clientes mais felizes, é só aferir o nível de ruídos que vem destas mesas.
Após cada qual tomar o seu lugar e de sermos servidos da mais deliciosa das cervejas, enquanto os pedidos ainda eram preparados, já nos sentíamos donos daquele local, como se o mesmo estivesse sido construído para nos atender e que aquela mesa havia se preservada até a nossa chegada, não sendo usada anteriormente por nenhum atrevido ser. Diante de tal constatação não nos restava nada mais a fazer se não proporcionar os mais demorados prazeres para a nossa companheira, a mesa, que entre um brinde e outro foi batizada de A TÁVOLA REDONDA, que tal qual a lenda, após ferozes batalhas recebia o Rei Artur e seus valorosos cavaleiros, talvez não tanto cavalheiros, mas tudo bem. Nos prolongamos tanto em nossa árdua tarefa de proporcionar tanto prazer a nossa Távola que o tempo passou e não nos demos conta, mais isto também não importava mais, o que mais importava era o raro momento.
Finda a nossa aventura épica fomos cada qual para sua casa, felizes, saciados, satisfeitos e acima de tudo com aquele sentimento heróico de dever cumprido. Porém, foi só chegar em casa para a fantasia se desfazer e a realidade mostrar suas terríveis garras, a verdadeira batalha épica se apresentou. A mais terrível de todas as batalhas já travada por este simples mortal, que espero que o imortal Rei Artur e seus cavaleiros não tenham tido que travar, qual seja, a de explicar para a esposa a razão do atrevimento de chegar tão tarde em casa. Não pelo fato de a amada esposa ser cruel, mas simplesmente em razão da desculpa ser ridícula.
Após esta derrota descomunal, que mais tarde fiquei sabendo, também, foi sofrida pelos demais cavaleiros da nossa távola redonda, não nos restou outra saída se não a de semanalmente nos socorrermos da mesma mesa, no mesmo bar, nomeá-la novamente de Távola Redonda, nos revestirmos das honrarias de Cavaleiros, porém, com o cuidado de nomearmos um Cavaleiro de Senhor do Tempo, o homem que cuida do relógio e nos salva de termos que enfrentar novamente batalhas domésticas. Pois, já ensinava aquele grande general, as batalhas que não podem ser vencidas tem obrigatoriamente que ser evitadas.

Paulo Roberto Bornhofen
Escritor e Poeta

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